Não há como entrar no “baú” do computador para nos lembrarmos de histórias que ficaram por contar. A necessidade de arrumar e arquivar umas fotografias levou-me a cumprir uma promessa antiga, em memória dessa insigne figura do minibásquete nacional, que foi Cremildo Pereira.
Num comentário no site da FPB, por ocasião do seu falecimento, prometi contar um episódio passado na cerimónia de encerramento do “1º Acampamento Internacional de Minibásquete – Homenagem a Cremildo Pereira”. Desde o final dos anos sessenta que muitas vezes tinha ouvido falar de Cremildo Pereira. No entanto, apenas tive o prazer de o conhecer, na referida cerimónia, do memorável evento organizado, por iniciativa do Prof. Rui Costa e do António Rui, pela AB Braga, e que teve a particularidade de ser realizado em Vieira do Minho, concelho vizinho da terra natal do homenageado: Póvoa do Lanhoso.
Os compromissos não cumpridos roem-me a consciência e promessas, mesmo quando não há ninguém para as cobrar, são promessas. A pequena história que vou narrar foi para mim uma grande lição e revelou-me muito da sensibilidade e lucidez dum homem que à época tinha 91 ou 92 anos. Acompanhado, por outro grande senhor do basquetebol, o General Hugo Santos, à data Presidente do Comité Nacional de Minibásquete, o Cremildo Pereira esteve presente no estádio municipal de Vieira do Minho. As delegações presentes iam chegando e sentando-se num semi-circulo no relvado para se dar início ao espectáculo e cerimónia de encerramento do evento. À medida que as delegações das diversas associações e clubes, cerca de 300 minis, iam chegando iam-se sentando no relvado. Por um mero acaso, as duas últimas representações a chegar, foram a delegação de Cabo Verde e a Associação Cultural Moinho da Juventude. Fruto desta entrada as duas delegações constituídas por jovens de etnia africana ficariam sentadas num dos extremos do semi-circulo. Nesse momento o Cremilido Pereira manda-me chamar e subtilmente diz-me que nunca aceitou segregações e que não percebia aquela distribuição das delegações. Compreendendo de imediato o seu ponto de vista, antes que todos tivessem sentados rapidamente me dirigi ao meu grande amigo Daniel Nascimento, treinador da Associação Cultural Moinho da Juventude, e pedi-lhe que deslocasse a sua numerosa delegação para a zona central do semi-circulo, onde por acaso estava um espaço livre e com um chega para a direita, e chega para a esquerda, das delegações que estavam no meio do campo, rapidamente se encontrou um espaço para colocar os minis da Associação Cultural Moinho da Juventude e a cerimónia pôde começar. Quem me conhece, sabe que nunca o espírito de confraternização do minibásquete esteve em causa, mas nestas coisas de cerimónias públicas, temos que ser como a mulher de César, não basta ser séria, tem também de parecer séria. Esta sensibilidade, sentido de observação e lucidez foi o que mais me impressionou num homem com mais de noventa anos, e a sua lição ficou registada na minha memória. Porque as homenagens são quando um homem quiser, esta é a minha singela homenagem a Cremildo Pereira.
