A qualidade do jogo
 
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A qualidade do jogo

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altA observação de um jogo da liga ACB, desde que existam motivos de interesse técnico, rapidamente nos faz perceber o rico contexto de aprendizagem que se pode ter na frente.

Para um treinador estes jogos podem ser excelentes CLINICS. Não apenas estão presentes muitos dos melhores jogadores europeus da actualidade, como o próprio jogo, possui uma qualidade táctica e estratégica de assinalável valor e variedade. É evidente que para que isso aconteça, não é alheia a capacidade competitiva que as equipas possuem. O equilíbrio é grande, são em muitos casos jogos de 50/50 para cada equipa. É neste triângulo formado por artistas de qualidade, valor e variedade táctico-estratégica e equilíbrio dos jogos, que a liga ACB vai alimentando, jornais, revistas, sites e opinião pública em torno do basquetebol.

A experiência por que passei fazia-me frequentemente perguntar se não poderíamos ambicionar a uma aproximação. Oiço muitas vezes dizer que “quando entramos em Badajoz percebe-se um basquetebol diferente”. Não sei se é realmente verdade. Mas pergunto-me como seria possível tornar a nossa competição mais rica e o jogo ganhar em qualidade, com tudo o que de acréscimo daí pode advir para o basquetebol. Claro que não há soluções milagrosas, nem fórmulas de copiar e colar rapidamente. Há que fazer o diagnóstico, debater soluções, encontrar consensos que nos comprometam a todos e sobretudo, tomar decisões. Seguir firmemente por algum lado, sabendo que qualquer caminho escolhido tem vantagens e inconvenientes.

Parece-me que a qualidade do nosso jogo só poderá ser mais elevada se tornarmos o nosso campeonato – a LPB – mais competitivo. Refiro-me a modelos competitivos que pressionem jogadores, treinadores e dirigentes a melhorarem a qualidade do seu trabalho de forma a contribuir para elevação do nível do jogo praticado. Comparativamente à ACB, a grande questão é que a competição no nosso caso, não pode ser feita com os melhores da Europa. Provavelmente não teremos dinheiro para isso, nem agora, nem num futuro próximo. Ela terá de ser alimentada fundamentalmente pelos jogadores que temos e por aqueles que necessariamente o nosso trabalho terá de se empenhar em formar. Refiro-me claramente ao JOGADOR PORTUGUÊS. Acho que não há ideias brilhantes sobre esta matéria, se houvessem certamente algo já teria sido feito. Julgo que no interesse do basquetebol, todos temos responsabilidades em dar contributos neste sentido. Lanço três tópicos que me parecem importantes neste debate sobre esta questão da competitividade e do jogador português:

  1. A necessidade de uma competição equilibrada. Julgo importante encontrar consensos sobre fórmulas competitivas que privilegiem o equilíbrio. Obviamente sem retirar mérito aos melhores. De há uns anos a esta parte, existe um fosso entre os melhores e os menos bons no basquetebol português. Há uma diferença grande entre as equipas que ganham muito e aquelas que ganham muito pouco. No entanto, sabe-se que são os contextos de equilíbrio, os que melhor propiciam a evolução dos jogadores e das equipas. Pensar em modelos competitivos que (como antes) dividam as equipas em poules de 6 para cima e 6 para baixo, com alguma permeabilidade entre os grupos no apuramento para os playoff e com a realização do antigo play-out, no estado actual do nosso basquetebol, não me parece um regresso ao passado. Parece-me uma forma de atingir dois propósitos: por um lado, as equipas jogarem mais, por outro, fazerem-no mais vezes em contextos de maior competitividade. Os menos bons não deixam de jogar com os melhores, mas jogam mais vezes com aqueles que são mais iguais a si. Os melhores jogam mais vezes com aqueles que para si podem constituir melhores desafios. Assegurar a competitividade é um factor de estímulo à evolução.
  2. Ir para a Europa. Incentive-se com clareza a participação nas competições europeias. Participar nas competições europeias tem que ser visto como uma necessidade e uma oportunidade para jogadores, treinadores, dirigentes e adeptos. Uma necessidade, porque a nossa ambição colectiva deve procurar algo mais do que aquilo que actualmente vai fazendo. Não nos podemos fechar basquetebolisticamente à Europa. Uma oportunidade, porque jogar com aqueles que teoricamente são melhores, faz-nos crescer e perceber o caminho a trilhar. Sabendo a distância que nos separa de algumas realidades europeias, esta necessidade e oportunidade não podem ser perdidas durante mais tempo. O bom exemplo que vivemos na presente época com o SLBenfica diz-nos isso. A um outro nível, é interessante verificar que os responsáveis pelos Estudiantes consideram a sua participação na Eurocup um desastre financeiro. O saldo entre o retorno financeiro permitido pela receita dos jogos em casa quando comparado com os gastos de participação na prova é claramente muito negativo. Em todo o caso, o clube alinha no pensamento dos seus treinadores, que afirmam com muita clareza a importância dessa participação, não apenas na lógica de desenvolvimento do projecto do clube, como mais uma presença europeia do basquetebol espanhol. 
  3. Faz sentido nos dias que correm, e no basquetebol que temos, pensar em criar medidas de estímulo à perspectiva de carreira para o jogador português? Criar medidas que estimulem a carreira, é até certo ponto “proteger” o jogador português. Não confundo protecção com privilégio. O meu conceito de protecção prende-se com a criação de condições para que os jogadores trabalhem mais e melhor. Viveram-se anos de liga profissional em que se dizia que o pior que podia acontecer era encontrar medidas de excepção para o jogador português. Na altura achava interessante a ideia, os argumentos que se apresentavam faziam sentido naquela tentativa de oferecer um salto que me parecia qualitativo. Dizia-se que o mérito e o valor haveriam de distinguir aqueles que por opção enveredassem pelo caminho profissional, e por isso demonstravam competência. Não tenho dúvidas em concordar em absoluto com esta visão, quando por trás, há uma expectativa sólida de carreira a suportar a actividade profissional do jogador. Para argumentar melhor a pergunta que faço, partilho aqui uma pequena história. Neste momento na ACB, há um jovem que é a revelação da liga: Nicola Mirotic do Real Madrid. Apesar de não ser espanhol chegou a Madrid em 2006 como primeiro ano de sub-20. Percebia-se o seu potencial, mas no primeiro ano de subida a sénior foi emprestado ao Palencia Baloncesto (Leb-Oro). A meio da época passada, o Real Madrid foi buscá-lo, é de momento um jogador fundamental no seu plantel. Está a fazer uma liga incrível, com uma participação na Euroliga igualmente de grande nível. Exemplos destes, de tão grande sucesso não são assim tão frequentes. Mas só têm possibilidades elevadas de acontecer em sistemas onde a perspectiva de carreira oferece garantias para desenvolver trabalho. É assim com os jogadores, mas também com os treinadores. A pergunta que deixo resulta do entendimento de que esta perspectiva de carreira não me parece existir na nossa realidade actual. Se assim é, como será possível globalmente melhorar a qualidade do jogador português sem mecanismos que os ajudem a treinar mais e melhor? Não duvido que alguns contextos – clubes – dão contributos muito assinaláveis neste sentido. Pela minha experiência e pelos clubes por onde tenho andado, tenho cada vez mais dúvidas se apenas o valor do trabalho será suficientemente eloquente para que um jovem em idade de decididamente pensar na sua vida se convença em decididamente apostar numa carreira de jogador. 

Estas três reflexões até podem parecer contraditórias: ser mais competitivo, ir para a Europa e ao mesmo tempo, apostar no jogador português. Será um contra-senso? Não quero acreditar que seja. Escrevo isto com a convicção de que o nosso basquetebol não será qualitativamente melhor e mais competitivo se não nos comprometermos em dar contributos à melhoria do nível médio do jogador português. Tenho outra certeza também, o basquetebol da ACB é tão elevado porque a qualidade média do jogador espanhol é igualmente assinalável.

 

 


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